tamanho NÃO é documento


Desde a escola fundamental somos educados a medir a qualidade dos nossos trabalhos, primeiro, pelo número de páginas. (E nem sempre há uma outra métrica em seguida. Não raro, paramos por aí.)

Quase todos os trabalhos encomendados pelos professores em escolas e universidades trazem a diretiva do número de páginas. E, quando não trazem, se você apresenta uma pesquisa de poucas páginas, ela é recebida com desdém.

Quem fez mestrado ou doutorado sabe que, não raro, a quantidade de páginas é um dos fatores de eliminação - a priori - do trabalho. Por exemplo, apresentar uma dissertação de mestrado com 30 páginas ou uma tese de doutorado com 50 são coisas totalmente impensáveis (e talvez essa patologia não seja só nossa; não tenho base para avaliar isso).

Isso sempre me irritou desde cedo. Muito antes de eu conhecer o mundo. Até hoje, quando peço a um aluno para fazer uma pesquisa, eu nunca menciono um número mínimo de páginas ou palavras. Os meus critérios são - e sempre foram - outros.

Hoje, procurando um paper que está tendo uma grande repercussão (“Tree of Thoughts: Deliberate Problem Solving with Large Language Models”), chamou a minha atenção esta que talvez seja uma particularidade do mundo acadêmico brasileiro. E fiz uma rápida pesquisa só para tentar colher evidências do quão bestial é olhar para o número de páginas em qualquer trabalho acadêmico.

Tree of Thoughts: Deliberate Problem Solving with Large Language Models - 11 páginas ( https://arxiv.org/pdf/2305.10601.pdf) . Não li ainda, mas a promessa é de que o framework descrito irá permitir às Inteligências Artificiais seguirem de forma muito mais eficiente árvores de pensamento (brainstorm, caminhos dedutivos etc).

Attention Is All You Need - 15 páginas ( https://arxiv.org/pdf/1706.03762.pdf  ). Paper - lançado por cientistas do Google (a maioria deles) - que criou o modelo lógico/matemático que viabilizou a nova geração de Inteligência Artificial por trás do ChatGPT, Bard e outros.

Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System - 9 páginas (  https://bitcoin.org/bitcoin.pdf  ) Paper de Satoshi Nakamoto (só um pseudônimo; ninguém sabe ao certo quem é o autor) que criou o modelo lógico/matemático por trás do bitcoin e da maior parte das criptomoedas que hoje existem.

E, por fim, para não dizerem que eu só falo de computação…

Concerning an heuristic point of view toward the emission and transformation of light - 8 páginas (  https://astro1.panet.utoledo.edu/~ljc/PE_eng.pdf  ). Paper que descreve o efeito photoelétrico, que deu o prêmio Nobel a Albert Einstein.

 

 *Sim. Há algumas poucas exceções onde cabe pedir um número mínimo ou máximo de palavras ou linhas, como numa redação ou num artigo a ser publicado em um jornal, por exemplo. Não é este o caso aqui.


** Sim, pelo menos no caso de Einstein, pode ser que ele tenha tido que limitar o seu trabalho a uma quantidade menor de páginas para facilitar a sua publicação. Mas, em nenhum dos casos acima (nem mesmo do Einstein) eu conheço uma versão estendida que seja “o original” do artigo (comprimido), como ocorre atualmente.  Se estiver errado, avisem-me, por favor. De qualquer forma, se a informação que gerou - ou pode gerar -  gigantescas revoluções tecnológicas, filosóficas e culturais (como as que mostrei) pode ser perfeitamente explicada em 15 páginas de forma que o mundo inteiro acessa apenas aquela versão, continua sendo totalmente sem sentido exigir que uma dissertação de mestrado tenha pelo menos qualquer-número-de (por exemplo, 100) páginas.

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