Seu Aristides


(A imagem acima não é do personagem que este texto descreve.)


SEU ARISTIDES

Seu Aristides é porteiro antigo de um condomínio aqui perto.
Quando passei pela guarita, agora há pouco, ele me viu, nós nos cumprimentamos, eu perguntei como estava a família, ele disse que tudo bem, por enquanto.

Logo em seguida, confidenciou-me que morava em Saracuruna e que estava tendo que vir de carro porque os trens (e ônibus, ao que parece) não podem mais transportá-lo de lá para cá.

Seu Aristides tem 65 anos e sabe que está na faixa de maior risco. Uma pessoa de classe média, ou descansando em seu apartamento, ou curtindo o seu home-office, hoje, iria classificá-lo de bravo (por não temer morrer) a criminoso (por potencialmente estar propagando a doença).

Ocorre que, pobre, em Saracuruna, Seu Aristides já enfrenta a morte todos os dias de sua vida. Uma morte possivelmente bem mais certa do que a do Coronavírus. Fugindo do tráfico, ou da milícia, ou da polícia, ou da inundação, ou da leptospirose, ou da dengue, e contando apenas com o hospital que não funciona e que, por isso, pode deixá-lo morrer por problemas de saúde bem simples como uma apendicite, por exemplo. Ele simplesmente tem muita experiência com coisas muito perigosas, e provavelmente nem se dá conta disso porque não tem as alternativas que a maioria de nós que estamos postando nesta rede social temos.

E seu Aristides não pode parar de trabalhar por um motivo muito simples: se ele parar de trabalhar, logo logo não terá o que comer. E a morte por falta de comida é certa. A morte por coronavírus é duvidosa.

No caso específico dele, ele tem carro e irá negociar com o patrão uma ajuda de custo para bancar o gasto extra. Conheço o patrão dele e acho até provável que ele receba o reembolso justo.

Não sei quanto a você, mas, para mim, o correto, mesmo, de acordo com o discurso da contenção, seria os condôminos daquele edifício, que estão em seus lares, não obrigarem todos estes trabalhadores  a atravessarem a cidade (de carro ou qualquer outro meio). O correto seria deixá-los em suas casas e os próprios moradores do prédio fazerem os serviços de limpeza e portaria em regime de escala e, obviamente, SEM demitir ou deixar de pagar os funcionários que foram afastados para que a ação de contenção fosse realmente aplicada ao maior número possível de pessoas e, principalmente, às mais necessitadas.

Mas essa medida é absurda, impensável. Até hedionda.

A medida escolhida foi não deixar as pessoas muito pobres de Saracuruna entrarem na cidade do Rio de Janeiro. Sim, as muito pobres, porque você só não entra de ônibus ou trem. Mas, de carro, não tem problema.

Ou seja, já temos pobres suficientes aqui para garantir a nossa assepsia. Pelo menos por ora, não precisamos de mais. Para todos aqueles que podemos dispensar, a nossa mensagem,
"NÃO SEJA IRRESPONSÁVEL, FIQUE EM CASA."

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