#RespeitaPaqueta


     Na antevéspera de Natal de 2019, os moradores de Paquetá (RJ) foram surpreendidos com uma mudança nos horários do único transporte público (oficial) para a ilha, fornecido pela CCR Barcas. O tempo de viagem iria dobrar durante a semana (de 50 para 100 minutos), os intervalos entre as viagens nos fins de semana dobrariam também (de 1,5h para 3h) e as barcas trafegariam muito mais cheias. Não houve qualquer consulta aos interessados e a comunicação se deu no meio do tradicional recesso de fim de ano do judiciário.

    Uma mudança que inquestionavelmente impactaria, diretamente, grande parte dos residentes da ilha e, indiretamente, a memória cultural do RJ, sem falar nos prejuízos financeiros para os cidadãos decorrentes das mudanças de moradia que seriam realizadas e, para o erário, decorrentes das pessoas que trabalham em negócios relacionados ao turismo local.

    Até a data em que este post foi escrito, a impressão que tive é que éramos o marisco na luta entre a empresa prestadora do serviço e o Estado, que a protegia, com o monopólio, das garras do mercado.

   A mudança ardilosa de horários das barcas de Paquetá pode ser vista sob vários ângulos. Há os óbvios, como a briga entre a CCR e o governo do Estado. Há os inventados, como os anunciados pela CCR para fundamentar a mudança. E há os subliminares. O texto deste vídeo é exatamente para contemplar este último aspecto e, quem sabe, estimular as pessoas a não se contentarem com o pior a tal ponto de terem vergonha de exigir serem tratadas como seres humanos.

Acompanhamento 

(Escrito após a data de publicação deste artigo.)

        A partir do dia 23/12, a CCR veiculava um aviso como este em seu site, com data de vigência em 30/12. A AGETRANSP exigiu a suspensão da implantação da nova grade até que ela fosse notificada pela justiça sobre a mudança. Por isso, a data de implantação foi alterada para o dia 08/01/2010.


     Com a mobilização dos moradores, a associação Morena, junto com outras entidades representativas da Ilha (CCS, RA etc), conseguiram trazer dois representantes da Defensoria (um deles, se não me engano, o Ouvidor Geral) numa assembleia histórica  que lotou a Igreja do Senhor Bom Jesus, no dia 26/12/2019. Os representantes da Defensoria saíram da ilha por volta das 23h do dia 26 numa clara e inequívoca demonstração de solidariedade, de compromisso com o sua função social e com o bem comum.

         A presença da Defensoria desencadeou uma série de ações na ilha de forma a produzir evidências para o judiciário de que a nova grade, além de arbitrária, era absurda, provocaria prejuízos para centenas, possivelmente milhares, de pessoas na ilha (com mudança de moradias, perda de empregos e inativação de negócios)  e, fora dela, para todo o Estado, com encolhimento e possível inativação de um importante polo turístico e cultural.

           A Defensoria iniciou uma ação civil pública contra a CCR Barcas e a justiça determinou a população oferecesse uma contraproposta de grade até o dia 13/01. Em assembleia com uma quantidade expressiva de moradores (mais do que o local comportava), no dia 09/01/2020, na Igreja do Senhor Bom Jesus, a população votou pelo óbvio, que era usar como contraproposta a grade de horários, na época, vigente.

(A grade vigente tinha diversos problemas, mas toda a ilha já tinha se adaptado a ela. Qualquer mudança retirando ou deslocando horários de viagens, além de prejudicar muita gente, poderia não ter qualquer impacto sobre o caixa da CCR visto que a população não disponha dos meios para avaliar o impacto logístico-financeiro das eventuais alterações.)

       A decisão judicial também marcou uma audiência pública, no dia 15/01/2020, às 15h para avaliar a questão.
          A movimentação pleiteando a revogação da grade imposta pela CCR extrapolou a ilha e contou com o envolvimento de pessoas queridas ou famosas fora da ilha, como Chico Buarque, Zélia Duncan, Carla Camurati, Zezé Motta de dezenas de outros. Várias matérias foram veiculadas nos principais meios de comunicação.

           Apesar de todas as evidências colhidas e de diversas manifestações públicas, o juiz, no dia 15/01/2020, determinou que a grada imposta pela CCR fosse implementada com uma pequena mudança, sugerida pelo Secretário de Transportes e com a não triangulação por Cocotá (que simplesmente dobraria o tempo de traslado durante a semana).
              A data para implantação da nova grade foi dia 25/01/2020. Várias tentativas de contato com o executivo foram feitas pelos representantes da ilha, inclusive com duas manifestações em frente ao Palácio da Guanabara. Na véspera da implantação, dia 24/01, o governador dá uma vergonhosa declaração em que mente, de forma descarada e totalmente irresponsável, dizendo a grade de horários vigente naquele dia durante a semana seria mantida.
         Eu batizei o dia 24/01 como o dia W da Mentira.



       Estou juntando na pasta a seguir ( https://drive.google.com/drive/folders/1lkfCYPPliQiaDHg5wfgWtfYWNGJxMg3M?usp=sharing )  documentos sobre este processo. Quem puder me ajudar, enviando-me os pdfs que faltam, por favor entrem em contato. 

       Dia 29/01/2020 foi o dia do "Café com o Governador".

        No dia 12/02 houve uma audiência pública na ALERJ que resultou em um acordo entre CCR, Estado e MPRJ (através de um TAC) que criava condições para que a grade original voltasse a ser cumprida pela CCR.

       A ideia era (pelo que entendi) da ALERJ abrir mão de parte da sua receita (oriundo do Estado) para que o Estado cobrisse o tal rombo (de 7 milhões de reais) alegado pela CCR. A Alerj, entretanto, só abriu mão de 5 milhões (acredito que seja um mensal este valor, mas não tenho certeza).

    Depois de muitas idas e vindas, e da causa movida pela Defensoria ganha em segunda instância pela CCR, o governo do Estado decide complementar os 2 milhões restantes. O acordo é firmado (TAC ) e a grade original volta a valer a partir do dia 21/02/2020, a priori, até o final de dezembro/2020.


Links para algumas matérias

https://globoplay.globo.com/v/8253222/programa/?fbclid=IwAR1mMFbsJl80uzt3Ej5fW9KIXSuO1k-Y7P7OZq3aZgXbPSyx8b37Iuo1fjI

https://www.youtube.com/watch?v=LsCvMabSwrQ&feature=youtu.be&fbclid=IwAR1ET56RPc27KX3AR7S0HjmsbkI4o0DjSDtez8fdSz6M8s1aewEVJmV2ROI

https://oglobo.globo.com/rio/de-chico-buarque-dom-orani-moradores-de-paqueta-ganham-apoio-contra-mudanca-nas-barcas-veja-video-1-24203408?fbclid=IwAR0jhhmeNjKEjt3ouyKHkmezhBGZa_Bv6YF1-NPbTySk5iswo4cLg3YN71U

https://veja.abril.com.br/brasil/protesto-contra-mudancas-nas-barcas-de-paqueta-ganha-apoio-de-famosos/?fbclid=IwAR17awkNoWZ7e7W8MHlZKErKJltaDaeOauPEkbKNv-3UCOwpy5G-m2hKV8E

https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2020/01/5856889-usuarios-das-barcas-condenam-mudancas-na-grade-de-horarios-da-ccr--confira-mudancas.html?fbclid=IwAR2mu_oVwAfeB4yb8vxhEPm-HjB1ijDr6R1mqmCmrbfpGW1kp1aSsZknVF0#foto=1

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/01/25/novos-horarios-de-barcas-para-paqueta-deixam-moradores-insatisfeitos.ghtml?fbclid=IwAR0CY-P8ftE43dzqNvWaCwk_mA4XNhkANP5sKKjT824Mc-5xP9bwZ2y8rR0

https://bandnewsfmrio.com.br/editorias-detalhes/passageiros-enfrentam-primeiro-dia-util-apos?fbclid=IwAR0KtRPep8BNXSmvq6JhIOiv7F3LRgxKUvGXSh3M1F0z1AV_X7yF7dqEhZA

https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/isabele-benito/2020/01/5856236-moradores-de-paqueta-tem-razao-de-reclamar.html?fbclid=IwAR2JuyVFG9tYecpm1gwa7N8b_jWX9BJBxTTDjgAVmcKRESVuL9pulIJGH1I

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/12/24/ccr-barcas-reduz-viagens-na-linha-praca-15-niteroi-e-impoe-escala-para-paqueta.ghtml?fbclid=IwAR0KA4W9TONPr_XC4udKQy608fopoMU97e4s8JbS8yxkKFqbbJdonZGel0c

https://epoca.globo.com/artigo-paqueta-bacurau-bucolica-desafia-fria-lei-da-oferta-da-procura-24215180?fbclid=IwAR3mvRBF_RkrUL7euyNJVNWGM8GO0kq3l1URzbzeBZdA0fl6cHJtmDhoaK8

https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/balanco-geral-rj/videos/moradores-de-paqueta-rj-protestam-contra-reducao-nos-horarios-das-barcas-29012020?fbclid=IwAR1Wsc-Cgg8u38_nQ8tZdNffRIiHA3BT0RoueDDaWhM4TNydTp9FvLhBkXY

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/01/29/moradores-de-paqueta-fazem-cafe-da-manha-de-protesto-contra-nova-grade-de-horarios-das-barcas.ghtml?fbclid=IwAR2JDz4HWmj8XSP57hZqr_4cMIrHMjQqmkSu5QrD6RloQX3b0WdsvMGZOMQ

https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2020/01/5859305-ccr-inaugura-novos-horarios-de-barcas-sob-avalanche-de-reclamacoes.html?fbclid=IwAR0WcEPBBQmrRpjd71zXtxaIzpl07smjSiAuC9gYedtkk9ojh5bY99DYZi8#foto=1

https://eurio.com.br/noticia/12117/alerj-deve-liberar-recursos-para-barcas-rio-paqueta.html

https://globoplay.globo.com/v/8331085/programa/?fbclid=IwAR1MnXlA8aAxB_Zcc-5XRWwcQxFNAbzcdCAGO4frdENhCzWT044YLgxKKkU

A grade de horários, antes da mudança 



A grade de horários, após a mudança


Breve cronologia através de imagens

26/12

29/12
























Segue, abaixo, o texto do (primeiro) vídeo (acima).

Era uma vez uma ilha nos confíns daquela baía.
Um lugar onde as pessoas se atreviam a conversar,
a ler, a ouvir música... A contemplar o mar...
Ou simplesmente cochilar... a caminho do trabalho.
Embora nem sempre com a temperatura ideal
ou com a pontualidade esperada, elas viajavam sentadas e
transportavam em sua bagagem, invariavelmente,
uma generosa porção de humanidade.
E, estranhamente, eram muito apegadas a ela.

Pelo vidro, no semi-árido do asfalto,
a imagem de pessoas comprimidas umas contra as outras.
De um lado, pela necessidade, do outro, pela resignação.
Ônibus e vagões que carregam o carvão para ser queimado
pelo progresso.
Para entrar, só deixando a dignidade do lado de fora.
Ela não cabe lá.

"Alguma coisa estava muito errada.
Era inaceitável aquela diferença!"
Observava o jovem executivo, oprimido,
de um lado pelo monopólio que detinha,
do outro, pela ambição inconsequente que o cegava.

Estava decidido.
Os personagens do conto de fadas lá no primeiro parágrafo
deveriam deixar sua
dignidade na fim da baía e seguir para
o asfalto tão submissos e conformados
quanto todos os demais!

E assim o fez.
Sorrateira e ardilosamente, como
cabe a todo sacerdote que pratica e não prega
o casamento entre a socialização das despesas
e a privatização dos lucros.

E como terminou a história?

Não sei.
Quero crer que o beato, a pedido
de um amigo querido, terminou um de seus dias
na ponte da saudade.
Pés descalços, longe do asfalto e da asfixia do progresso,
hipnotizado pelo por do sol,
reencontrou o que há muito perdera
e que julgava ser só um devaneio,
um desvario,
coisa de criança.

Finalmente em paz consigo mesmo,
não quis deixá-la no fim da baía e voltar sozinho
para o que havia se acostumado a
apelidar de realidade.

Devolveu ao povo da ilha o cochilo,
a música, a leitura, a temperatura adequada e
a pontualidade esperada.

E lutou para que todos os demais personagens
pudessem também ser gente em tempo integral.
Em qualquer parágrafo onde
decidissem se estabelecer.

O que parecia um conto de fadas
se transformou em realidade
e o pesadelo acabou.

Comentários