A Maldição do Pregador


Hoje sabemos que metade da população brasileira gosta de ou é indiferente a uma série de ideias que, pelo menos para mim, já se provaram totalmente erradas há séculos atrás. Mas não quero discorrer sobre todo esse conjunto porque, além dele ser grande demais, eu ainda estou muito traumatizado com tudo que tem acontecido e não consigo ter o necessário distanciamento da realidade a ponto de conseguir colocar em palavras as lições que eu gostaria de tirar dela.

Portanto, em gesto de boa vontade, comecei a pensar fora da minha caixa ("caixa" de um ateu, como me reconheço). E pensei: como faríamos, por exemplo, para tornar produtiva uma lei que tornasse obrigatório o momento de oração nas escolas de todo o país?

E não precisei de muito mais do que alguns minutos para encontrar uma forma de transformar aquela medida numa medida enriquecedora. Bastaria que aproveitássemos o momento para que cada um mostrasse, a seu tempo, a sua forma de rezar. E todos rezassem, em seguida, a sua maneira, ou simplesmente respeitassem o momento, observando ou se afastando.*

O principal obstáculo que impede de uma iniciativa assim ser adotada não é o fato do estado ser laico, ou de haver uma cristão-fobia (como se isso fosse minimamente plausível no Brasil). O que verdadeiramente impede que isso aconteça é a Maldição do Pregador, que é presunção de acreditar que só existe um Deus, que o único que existe é o seu e que todo o mundo precisa aceitá-lo e se converter a ele. Uma ideia que, pelo menos para mim, já parecia absurda com os padres tentando converter os índios, ou os negros, ou os árabes. E que, mesmo depois de tanto séculos de incontáveis e abomináveis erros, permanece sendo repetida. Basta uma chance e alguém aparece, ou com uma arma em sua cabeça, ou despretensiosamente, como amigo, oferecendo-lhe um pão ou um espelho, tentando lhe seduzir a adorar o mais poderoso dos poderosos, aquele que está em todos os lugares, tem infinita bondade, sabe de tudo, mas é vaidoso demais para viver sua eternidade sendo adorado só por alguns.

E o defeito cognitivo que está por trás dessa patologia, e que aparece em diversos outros contextos, e atinge todos os públicos - religiosos, ateus, pessoas de todas as cores, classes sociais e orientações sexuais - é, simplesmente, a incapacidade de aceitar a diversidade... Na verdade, mais que isso. A incapacidade de aprender com a diversidade, por por mais esquisita, abjeta, retrógrada ou violenta que ela lhe pareça.

O que vemos nas eleições de 2018 e 2022 são uma evidência inconteste de que já estamos passando da hora de largar nossos livros sagrados e começar a ler - e entender - os livros dos outros... antes que não tenhamos outra escolha.


*Claro, é difícil fazer isso por decreto, porque o processo (muito provavelmente) poderia  ser sabotado na ponta. Mas são as soluções ideais que nos fazem chegar às possíveis. Não dá para procurar a chave no lugar onde não a perdemos só porque há luz lá.

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