MEUS AMIGOS BOLSONARISTAS


     Durante a eleição de Bolsonaro, eu fiquei perplexo ao constatar que pessoas adultas e escolarizadas acreditavam que havia na nossa sociedade um imenso grupo que eles etiquetaram como "comunistas" e que, no Brasil século XXI, conter o avanço do "comunismo" era a tarefa mais importante a ser feita naquele momento.

         Naquele envelope onde se escrevia do lado de fora "comunistas" havia todo tipo de gente: desde os adoradores de Fidel Castro e Stálin, até os seguidores do Lula, passando por pessoas que simplesmente lutavam por igualdade de oportunidade (muitas vezes sem saber exatamente como), ambientalistas e pessoas com condutas ou pensamentos divergentes.

         Hoje estou novamente perplexo por ver pessoas adultas e escolarizadas acreditarem que há na nossa sociedade um imenso grupo de pessoas que podem ser etiquetadas simplesmente como "bolsonaristas". 

         E, neste envelope, são jogadas, desde as pessoas que acompanham e adoram Bolsonaro, até as que simplesmente querem ter uma arma para defenderem sua família, passando  pelas que são beneficiadas por ele, ou que pensam, de alguma forma, como ele, ou que são racistas (contra negros), ou que são homofóbicas, ou que sonham com uma ditadura (que não seja "de esquerda"), ou que querem resolver tudo na violência.

         Parece bem óbvio que o adorador de Lula pode não ser adorador de Stálin. Mas a mesma pessoa para a qual esta constatação é clara parece não ser capaz de perceber que, da mesma forma e até na mesma proporção, adorar Bolsonaro pode não implicar ser homofóbico ou truculento.

         Ou seja, a mesma pessoa que faz questão de não ser definida completamente por uma escolha política acaba rotulando de forma igualmente radical aquelas que ela critica.

         Por isso decidi compartilhar com vocês a minha experiência. 

         Começo confessando que tenho amigos e colegas de trabalho, pelos quais tenho muita estima, que seriam facilmente jogados no envelope dos "bolsonaristas". E brigo muito com eles. Nunca deixei de expressar a minha raiva por vê-los ajudando a destruir este país que eles dizem que tanto amam, mantendo no poder o maior mentecapto que esta nação, em toda a sua história, conseguiu colocar na cadeira da presidência da república.

         Nenhum deles odeia ou age com restrições a pessoas de pele mais escura. Todos fazem questão de se afirmar como homens ou mulheres, mas nenhum deles prega a hostilização de não heterossexuais. Todos valorizam a educação e a ciência e acham que, mantendo Bolsonaro no poder (pasmem!), estão colaborando para fortalecê-las. Nenhum deles é nazista ou faz parte de grupos em nome de qualquer supremacia (branca, negra, nordestina ou extra-terrestre).

         Alguns não falam mais comigo porque eu não economizo palavras (nem insultos) quando os vejo defender ou se omitir diante dos descalabros que nos envergonham mundo afora. 

         Mas é preciso separar uma coisa da outra.

         Todos eles são pessoas dignas. Pagam suas contas, sustentam suas famílias, honram seus compromissos, repeitam suas esposas/filhos/maridos. São, em geral, bons ou excelentes profissionais, amigos ou colegas de trabalho.

         É claro que eu sou antifascista. Mas, como eu não classificaria qualquer um deles como fascista, eu não sou contra eles. E a pior coisa que podemos fazer agora é ampliar a polarização. É acirrar a separação. É exaltar os rótulos. É fomentar a guerra.

         Não estamos em guerra. Não somos 30% contra 70%. Temos 10% de fanáticos de um lado, 10% de fanáticos do outro, 1% de abjetos gratos pela oportunidade de lucrar com tudo isso e 79% de pessoas apenas tentando sobreviver. 

         O pedreiro que simpatiza com Bolsonaro não é fascista. Só tem um medo danado, herdado dos seus antepassados, de ver seu filho beijando um outro rapaz. Já o pequeno comerciante, que já foi assaltado pelo menos 20 vezes, acha que, ostentando uma arma, o bandido não irá  investir contra o seu estabelecimento com tanta audácia. O homossexual quer não ser agredido na rua. O policial quer não morrer - ou ficar aleijado - na próxima vez que for jogado num confronto. O médico quer ter condições de salvar seus pacientes. E todos querem levar o sustento para dentro de seus lares. 

         Certamente, 79% de todos nós não saberia dizer de maneira minimamente fundamentada se é de direita ou de esquerda. E o motivo é simples: este é mais um rótulo que não faz a menor diferença na vida cotidiana da imensa maioria da população brasileira.  

         Somos 79% de pessoas que querem um país melhor. 

       E 79% que querem - ou precisam - aprender a aceitar a diversidade, mesmo quando a diversidade significa conviver com o gay ou com aquele que acha que ter uma arma irá lhe dar mais proteção do que depender somente da polícia.

       Não basta decorar e definir de 30 formas diferentes o que quer dizer empatia ou alteridade. 
É preciso praticar e acreditar que estas duas coisas podem mudar o nosso mundo.

      Separar todas as pessoas em dois times antagônicos é a maior demonstração de que somos todos iguais no pior e, não, no melhor dos aspectos da nossa natureza humana.

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