Gráficos do Ministério da Saúde que indicam o tamanho da subnotificação de COVID-19

Vídeo:


Fonte:
https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/09/be-covid-08-final-2.pdf

O objetivo deste trabalho de investigação é encontrar uma maneira de aferir os dados que recebemos para número de infectados e de mortos por COVID-19 (que chamaremos simplesmente de COVID na maior parte do texto). Ter números mais precisos permite que medidas sejam tomadas com mais eficácia, claro, se houver vontade política para isso. O que me levou a fazer esta pesquisa foram as imagens dos cemitérios de Manaus que denunciavam a dificuldade da cidade de enterrar seus mortos. Os números oficiais à época não me pareciam suficientes para justificar uma tamanha sobrecarga no tratamento dos óbitos. Dados muito discrepantes contribuem para a disseminação de boatos, como o da exumação de pedras dentro de caixões, em lugar de corpos, que circulou para justificar que a COVID não é tão grave assim e que tudo é um grande exagero com interesses políticos. 

Parte 1 - Dados do Ministério da Saúde


O vídeo acima foi feito com base no boletim epidemiológico número 8.
O boletim epidemiológico número 11 mostra que os números das mesmas semanas de 2020 estavam subestimados, muito provavelmente porque os dados ainda não haviam entrado  na base de dados por ocasião do primeiro boletim nº 8.

Veja os gráficos abaixo retirados do boletim nº 11.
https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/18/2020-04-17---BE11---Boletim-do-COE-21h.pdf

É importante notar que o escopo de confiabilidade desta métrica é a lotação dos hospitais. Ou seja, quando número de hospitalizações estabilizar, isso pode se dar, ou porque realmente o número de pessoas contaminadas por COVID-19 carecendo de internação diminuiu, ou porque os hospitais não suportam mais hospitalizados.

Também vale a pena ressaltar que, pela legenda, a métrica abaixo se refere a "hospitalizações" e, não, a atendimentos. O que sugere a possibilidade de que as pessoas atendidas com SRAG em 2020 ou 2019, mas não hospitalizadas, não terem sido contabilizadas neste montante. 


É claro que esta discrepância poderia estar acontecendo por conta de uma diferença de metodologia para catalogação das internações que tivesse sido implementada por volta da 10ª semana de 2020. Seria, entretanto, muita irresponsabilidade (ou desconhecimento) do Ministério da Saúde divulgar exatamente esta comparação num relatório sobre a incidência de COVID-19 sem fazer qualquer ressalva com relação a uma eventual alteração metodológica.

Se considerarmos apenas o período a partir da 11ª semana, que onde o surto parece sofrer o primeiro grande salto, teremos da 11ª à 14ª semana, 5834 casos em 2019 contra 50357 casos em 2020. Considerando que da 11ª à 14ª semana os casos confirmados são cerca de 9000 (segundo o boletim 14, página 23) e a diferença entre as quantidades de hospitalizações por SRAG é e 44.000 , podemos inferir que o nº de casos preocupantes (que precisam da rede hospitalar) é pelo menos 5 vezes a quantidade de casos oficiais. 

Abaixo, o mesmo gráfico a partir do boletim 14.

Abaixo, o mesmo gráfico a partir do boletim 15


Abaixo, o mesmo gráfico a partir do boletim 16


Abaixo, o mesmo gráfico a partir do boletim 17



Parte 2A - Dados de Registros de Óbitos


Uma das formas mais eficientes de ratificar uma (hipo)tese é verificar se podemos chegar à mesma conclusão por diferentes fontes. Uma outra fonte bem interessante para aferir esta discrepância entre os dados oficiais e os reais são os dados de óbitos fornecidos pelos cartórios. Esta análise eu ainda estou consolidando e parte desse estudo segue abaixo.

Para não contaminar a análise com dados não ligados à pandemia, vou restringir (nesta primeira etapa) a análise ao período de 01/03/2020 até 26/04/2020 . Isso porque os cartórios levam algum tempo (de 1 a 15 dias) para atualizar a sua base de dados. As 8 imagens abaixo foram colhidas no dia 03/05. Se você for refazer esta consulta em outro dia, possivelmente achará outros números, uma vez que a base é dinâmica. Omiti os dias mais próximos ao dia da extração exatamente para diminuir estas flutuações e pegar um conjunto mais estável de dados.

Começando pelos dados do Brasil inteiro (os dois gráficos são idênticos, exceto pela legenda).




A primeira informação impactante é que o número total de mortes diminuiu de 2019 para 2020. Algo que provavelmente se deve ao isolamento mas, se tratado de forma maliciosa, poderá ser usado como argumento para repudiá-lo.
Neste período houve cerca de 6000 mortes registradas como COVID, sendo que o número de mortes classificadas como SRAG amentou de 189 para 2085. Mas quase todos os outros números caíram.

O Brasil todo, entretanto, é uma amostra ruim porque a pandemia só atingiu alguns estados de maneira significativa no período pesquisado. E, mesmo nos estados atingidos, só algumas idades (os grandes centros) apresentaram até agora grandes problemas na rede hospitalar.

Vejamos, portanto, a cidade de São Paulo no mesmo período.



Ao contrário da tendência nacional, houve um aumento de 15% no total do número de mortes, sendo que as mortes registradas como COVID já somam quase 10% do total de mortes neste período de 2020. Houve aumento de quase todos os demais números com uma exceção importante para pneumonia, cujo decréscimo (cerca de 300 casos) não é significativo perto dos casos confirmados de COVID.

O caso de Manaus é provavelmente o mais chocante de todos.



O número de mortes passou de 1809 para 3196, um aumento de quase 80%, sendo que, dessas mais de 1300 mortes, apenas 279 foram registradas como COVID-19.

Finalmente, a cidade do Rio de Janeiro.



Novamente, vemos um aumento de cerca de 17% no período, com aumento de mortes em quase todos os tipos. A subnotificação aqui parece ser bem menor pois a diferença entre os totais de mortes é de cerca de 1500 enquanto o número de casos registrados como COVID é cerca de 1100.

Parte 2B - Dados de Registros de Óbitos (Melhorando a Amostra)

Usar um mesmo intervalo de tempo para vários municípios, na verdade, é um problema, uma vez que a contaminação começa em épocas diferentes para cada região do país. Vejam, por exemplo, um caso clássico que está sendo noticiado, que é o de São Luís, no Maranhão. Os dados abaixo foram recuperados no dia 05/05/2020. Se considerarmos este mesmo intervalo de tempo, obteremos o seguinte gráfico:


Mesmo sem legenda, o gráfico parece não refletir o que está acontecendo no local, uma vez que o número total de mortes parece ter diminuído no período considerado, em vez de aumentar.

O problema é que o primeiro caso de óbito por COVID foi registrado apenas em 06/04, como mostram as figuras abaixo:




Portanto, o melhor período de extração, para São Luís, no Maranhão, parece ser a partir de 06/04/2020. Limitei a 28/04/2020, pois os dados a seguir foram extraídos no dia 05/05/2020.
As figuras a seguir, novamente, são idênticas, exceto pela legenda.


Percebam que, neste período, a partir do primeiro caso registrado de COVID, vemos que a quantidade total de mortes registradas passou de 191 para 414, um aumento de 116%.  Só a quantidade de casos registrados como COVID já é quase 60% do total de óbitos registrados em 2019 no mesmo período. A discrepância de 223 (414 - 191) casos contra os 115 casos de COVID registrados, sugere uma subnotificação de pelo menos 93%. Esta subnotificação, entretanto, foi apurada levando-se em conta os dados de óbito registrados como COVID. Segundo o Ministério da Saúde, a quantidade de óbitos até (28/04) era de 136. Utilizando este número, que é o divulgado como oficial nos telejornais, a subnotificação passa a ser de apenas 63%.

O método acima pode ser seguido para todas as demais cidades, basta localizarmos o dia em que houve o primeiro registro de óbito. Vou usar este método para depurar as análises feitas na parte 2A.

Para o Rio de Janeiro, o primeiro óbito registrado foi no dia 19/03/2020:


Percebam que, neste período, a partir do primeiro caso registrado de COVID, vemos que a quantidade total de mortes registradas passou de 6398 para 8228, um aumento de 28%.  Só a quantidade de casos registrados como COVID já representa 21% do total de óbitos registrados em 2019 no mesmo período. A discrepância de 1830 (8228 - 6398) casos contra os 1395 casos de COVID registrados, sugere uma subnotificação de pelo menos 31%.

Esta subnotificação, entretanto, foi apurada levando-se em conta os dados de óbito registrados como COVID. Segundo o Ministério da Saúde, a quantidade de óbitos até 28/04 era 456. Utilizando este número, que é o divulgado como oficial nos telejornais, a subnotificação seria de 300%.

Para a cidade de São Paulo, o primeiro óbito registrado foi no dia 16/03/2020:


Neste período, a partir do primeiro caso registrado de COVID, vemos que a quantidade total de mortes registradas passou de 26414 para 28712, um aumento de 8%.  A quantidade de casos registrados como COVID representa 6% do total de óbitos registrados em 2019 no mesmo período. A discrepância de 2298(26414 - 28712) casos contra os 1735 casos de COVID registrados, sugere uma subnotificação de pelo menos 32%.

Esta subnotificação, entretanto, foi apurada levando-se em conta os dados de óbito registrados como COVID. Segundo o Ministério da Saúde, a quantidade de óbitos até 28/04 era de 1321. Utilizando este número, que é o divulgado como oficial nos telejornais, a subnotificação pode ser de 73%.

Para a cidade de Manaus, o primeiro óbito registrado foi no dia 30/03/2020:



Neste período, a partir do primeiro caso registrado de COVID, vemos que a quantidade total de mortes registradas passou de 930 para 2514, um aumento de 170%.  Só a quantidade de casos registrados como COVID já representa 36% do total de óbitos registrados em 2019 no mesmo período. A discrepância de 1584(2514- 930 ) casos contra os 337 casos de COVID registrados, sugere uma subnotificação de pelo menos 370%.

Esta subnotificação, entretanto, foi apurada levando-se em conta os dados de óbito registrados como COVID. Segundo o Ministério da Saúde, a quantidade de óbitos até 28/14 era de 274. Utilizando este número, que é o divulgado como oficial nos telejornais, a subnotificação pode ser de 470%.

Parte 3 - Mais observações com relação ao método.


O método perde a confiabilidade se o número de óbitos do período não é expressivo. Se o número de óbitos em 2019 for, digamos, 10 e neste ano houve uma chacina, por exemplo, matando 5 pessoas, a comparação entre os números nos levará à conclusão de que o aumento de 50% no número de mortes pode ser devido à COVID. O Portal da Transparência dos Cartórios não mantém o registro de óbitos para todas as cidades. Cidades com menos de 100 óbitos (não dizem em qual intervalo de tempo) não são exibidas.

Por isso, a análise para pequenas cidades acaba sendo pouco confiável. Mesmo assim, buscando as cidades com maior número de mortes por 100.000 hab confirmadas, as que aparecem, e que possuem pelo menos 50 óbitos (segundo dados do Ministério da Saúde) são as seguintes. As primeiras têm mais óbitos por 100.000 habitantes por COVID.

Fortaleza
São Luís
Manaus
Recife
Olinda
São Paulo
Osasco
Belém
Jaboatão dos Guararapes
Rio de Janeiro
Duque de Caxias
São Bernardo do Campo
Guarulhos
Salvador



Repeti a análise acima para Fortaleza, que não me permitiu concluir muita coisa, e Recife.

Fortaleza: início em 16/03/2020. Óbitos em 2019: 1921, óbitos em 2020: 2083(diferença de 162 mortes). Registrados como COVID: 425. Óbitos segundo o Min Saúde até 28/04: 329.

Recife : início em 23/03/2020. Óbitos em 2019: 4513, óbitos em 2020: 3892 (diferença de 621 mortes). Registrados como COVID: 179. Óbitos segundo o Min Saúde até 28/04: 219. 621 para 219 representa uma subnotificação de 180%.

Em Olinda, o primeiro óbito registrado como COVID ocorreu em 05/04/2020, mas, bem antes disso, os dados já mostram um aumento no número de mortes. Com o método que usamos, estes dados, infelizmente, são descartados. Mas a análise, segundo estes critérios, já mostra que, de 05/04 a 28/04/2020, o número de óbitos aumentou de 153 (em 2019) para 235 (em 2020). Ou seja, 82 óbitos a mais, o que representa um aumento de 53%. Dados do Ministério da Saúde apontam que, em 28/04, a quantidade de óbitos por COVID era de 42, o que sugere uma subnotificação de quase 100%. 

Um caso interessante é Duque de Caxias, que teve o primeiro óbito de COVID registrado em 31/03/2020 e, de 31/03/2020 a 28/04/2020 (limite de janela temporal que estamos usando), a quantidade de óbitos em 2020 ainda é muito inferior á quantidade de óbitos em 2019. Imagino que isso se deva ao fato do surto lá ainda estar bem no início. O Ministério da Saúde contava, em 28/04, 68 óbitos por COVID na cidade, estranhamente maior do que a quantidade registrada nos atestados de óbito. 



É bom lembrar que o "boom" de mortes de COVID, ao que parece, se dá em não muito mais de 2 meses para cada grande centro populacional. Como o ritmo de mortes por outras razões deve diminuir por conta do isolamento, é bem possível que, na análise de todo o ano de 2020, morram menos pessoas no Brasil do que ao longo de 2019. A comparação ao longo de um ano não tem muito sentido porque  "ano" é uma medida totalmente arbitrária, tão válida quanto qualquer outra (como semestre , semana ou 437 dias, por exemplo) e sem vinculação de causalidade com o que aconteceu. Mas, como é uma medida que todos usamos, é provável que ela seja utilizada como argumento para mostrar que a pandemia não foi "tão ruim assim" para o Brasil.

Uma pergunta a se fazer é se os dados deste portal são confiáveis. Ou seja, com qual fidelidade os cartórios atualizam esta base de dados? Todos os cartórios do país estão informatizados, possuem  e usam as ferramentas de atualização? 

Eu não tenho respostas para estas perguntas. Mas as mesmas perguntas podem ser feitas para a fonte de dados do Ministério da Saúde, que é a compilação de uma teia muito mais complexa de dados. A solução, portanto, é, claro, confrontar as diversas fontes de informação e procurar detectar convergências e divergências.

Um dado importante é que o local que aparece no Portal dos Cartórios é o local do óbito. Ou seja, se a pessoa teve que sair da cidade para ser atendida e morreu  no hospital, usar o local do óbito em lugar do local de residência pode ser que cause algum impacto na recuperação das informações por cidade, sobretudo no caso de cidades menores.



https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/05/01/cartorios-apontam-aumento-de-10500percent-nos-registros-de-mortes-por-sindrome-respiratoria-aguda-grave.ghtml?fbclid=IwAR29cdNu5UsJlKM2xj0u2koPYjeh5KIDxGoDQSMpE0AQS0_8VqRkTEpnkC0

Dados de Cartórios
https://transparencia.registrocivil.org.br/registral-covid

https://brasil.io/covid19/

Dados do Ministério da Saúde dispostos num mapa interativo.
https://painel.covid19br.org/

Os dados consolidados até um determinado dia do ano podem ser encontrados em:
https://covid19br.wcota.me/#cidadesTempo

Dados do mundo por dia
https://ourworldindata.org/covid-deaths

IBGE
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/rio-de-janeiro/panorama

https://ourworldindata.org/coronavirus-testing

Fiocruz
https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/?fbclid=IwAR1tkwHNkdYQ-30cuBqqGx32bxokU-6TyM_yCgW7nUgHcXOuEWjoWkhPF6M

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