O Professor e o Tio do Homem Aranha


    Comecei o texto por essa citação não necessariamente por conta da (suposta) autora ou da controvérsia em torno do fato dela resumir bem a tarefa do professor.
    No Brasil e na atualidade, o professor tem acumulado passivamente (muitas vezes, com orgulho) a função de "educador" . Para mim, as tarefas de ensinar e educar, apesar de possuírem algumas interseções (principalmente com crianças mais novas), são tarefas bem distintas.
    E provavelmente a principal coisa que distingue um papel do outro está na parte final dessa citação. Ao contrário do conceito tradicional de "educador", o professor, a partir de um certo ponto, deve se abster de interferir. Por mais que isso lhe doa ou ofenda os seus dogmas e até mesmo os conceitos de uma época, é preciso não negar ao aluno o sagrado direito de errar. "Errar" pressupõe "tentar" e é o caminho mais seguro para se conseguir "fazer por si mesmo". E fazer - ou pensar - por si mesmo é a pavimentação do caminho para a independência e para um encontro pacífico e duradouro com a sua própria identidade.
    Mas o campo semântico da não interferência não se limita apenas a resolver ou não, por exemplo, mais uma vez, aquele tipo de problema que aluno já fizera sozinho anteriormente.
    Para diminuir o risco de misturar os conceitos, seria melhor usar as expressões "ensinar" e "doutrinar". Educar é algo bem mais amplo, que envolve um pouco dessas duas coisas. Separando dessa forma, embora seja quase impossível retirar completamente a doutrinação do ambiente da sala de aula (sobretudo com jovens em formação), acredito que haja uma outra ideia por trás da citação acima; que é a de que um bom professor deve se esforçar para renunciar ao máximo o seu papel de doutrinador.

     Esse isolamento, essa não interferência, decorre da reflexão baseada em outros paradigmas, como:

1) humildade. Uma vez que você não sabe com quem de fato você está lidando. Aquele aluno, aparentemente frágil, possivelmente esquisito, pode ser a pessoa que mudará paradigmas físicos, sociais, econômicos ou religiosos.


2) autodeterminação. Pois cabe ao professor abrir várias *portas (mesmo aquelas pelas quais ele mesmo não entraria).  Cabe ao aluno escolher por qual entrar. Cabe ao aluno, inclusive, escolher não passar por nenhuma delas, e seguir um caminho completamente diverso.

"Mas ele pode ser também o Hitler do futuro!" 
     Sim. Isso é verdade. A construção de um algoz, entretanto, não é feita exclusivamente na escola. Boa parte de todos os "anticristos" não chegaram ao poder por obra e graça de seus poderes mágicos. Havia - na história e nas pessoas -  um terreno fértil para que eles se desenvolvessem. É muito perigoso que o professor tome para si o dever de "evitar que o próximo Hitler suba ao poder".


     Se, por um lado, temos um poder desproporcional de influenciar alguns de nossos alunos - o que nos obriga a sermos muito mais vigilantes -, por outro, é ingenuidade - ou presunção - demais achar que nossa missão é "plantar a semente do bem, da paz e da prosperidade nos corações de nossas crianças". Os conceitos e as formas de se alcançar coisas como o bem, a prosperidade e a paz, apesar de parecerem óbvios, variam bastante de pessoa para pessoa, de uma época para outra.

     Em suma, como diria o tio Ben, "Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades".

3) diversidade. Apesar de ter grandes poderes, a chance de você dar aula a vida inteira e nenhum dos seus alunos se revelar um Einstein ou um Mandela é enorme. Se isso te incomoda, é melhor procurar outra profissão, ou tentar entender o seu papel neste mundo de outra forma. As grandes mentes que ajudarmos a formar tomarão várias decisões todos os dias: o tipo de detergente que usará para lavar seus pratos, o carro dos seus sonhos, o síndico do seu prédio ou se o seu ídolo ou mentor religioso merece uma cadeira no parlamento. Dar a elas capacidade para tomar cada uma dessas decisões com a menor interferência possível dos grandes poderes instalados na sociedade deveria ser a nossa missão. É o controle difuso e a diversidade que nos protegem. Quanto mais carecemos de heróis, mais nos distanciamos do equilíbrio.

     E este artigo não é ele mesmo uma forma de doutrinação?
     Doutrinação pressupõe mais do que propagar uma ideia pronta. Além de mostrar a ideia pronta, entendo que para configurar uma doutrinação é preciso que exista um desequilíbrio de poder entre os envolvidos. Não há um claro desequilíbrio de poder entre mim e você. Você chegou aqui porque quis. Eu não sou um artista famoso, não sou dono de um grande Banco, tampouco de algum Estado, como o Maranhão. Já em uma sala de aula, a discrepância entre os poderes do professor e de cada um dos seus alunos é óbvia.

     Por isso, é importante largarmos a mão do nosso aluno, sob pena dele reproduzir na vida adulta o que ele se acostumou a fazer na escola: esperar a resposta pronta de alguém (ou algum grupo de pessoas) que tenha considerável poder sobre ele.

Hoje é dia 15 de outubro. Dia de tirar um tempo para pensar mais demoradamente sobre o nosso papel na sociedade. Identificar erros, encontrar soluções, pontuar os acertos. E celebrar cada uma dessas descobertas!

*Evidentemente, não cabe ao professor abrir TODAS as portas, uma vez que ele, como qualquer outro cidadão, não pode infringir as leis às quais ele está submetido.

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